Inefável
Se eu realmente pudesse escrever o que quiz dizer sobre isto de estar aqui e ser. Se realmente achasse, nesta realidade, neste corpo, com este nome, o nome com o qual chamar o que quero falar. Se eu pudesse ser pra você o que quero chamar de meu. Se eu tocasse o inatingível e o apreendesse em algo menos etéreo. Se eu sinceramente pudesse dizer isto que não pode ser dito e menos ainda sentido por ser lapso. Se eu tomasse conta desta coisa, me responsabilizasse por sua lapidação e, se é da natureza o partir, eu simplemente lhe daria, como numa brincadeira de passa-anel, o trabalho deste lapidar. Mas não dá. Pois se desse, realmente, eu não teria este nome, nem estas duas pernas, nem a ansiedade humana concentrada no suor de minhas mãos que tomam as canetas como se pudessem dragar o universo. Realmente não podem. Não realmente. Será? Somada a tua realidade à minha? Nem se minhas pernas fizessem 4 com as tuas? E se astutas fossem nossas mãos, dadas a formar um universo real em suas junções? Nasceria desta dança esta palavra sagrada que troussesse em si o inefável*? Que se parece com a palavra amor, só que sem ter um conceito tão desgastado? E se, dada tamanha intensidade na troca e fusão de nossos campos energéticos eu pudesse tocar nesta palavra imaterial como a um violino e a pudesse comer, assim como se comesse uma estrela cadente se esta caísse em meu quintal? Ainda assim seria preciso que o quintal não fosse meu, mas fosse nosso. Por que acho possível e provável e certo que se fosse nosso e não só meu, alguma estrela haveria de cair nele. E eu haveria de comê-la só pra ver se a palavra ia sair por minha boca e voar ao teu ouvido. Mas realmente acho que, ao adormecermos, eu haveria de esquecer o que disse e você haveria de esquecer o que escutou. E pela manhã eu continuaria a buscar esta palavra dentro das canções que entornarias em nosso quintal e esta perseguição viraria uma brincadeira, uma ciranda das mãos dadas aspirando uma palavra com a qual eu pudesse me vestir de toda a nudez cabível só a uma estrela que desce a um quintal. Pois esta só pode ter a qualidade cadente após se despir do só, se revestir do pó e se fundir em terra na qualidade do céu. Dê-me esta palavra, ou o seu som, que eu te dou a minha mais bonita, sem precisar dizê-la - estrela.
* O que não pode ser expresso verbalmente e com atributos de beleza e perfeição tão superiores aos níveis terrenos que não pode ser expresso em palavras humanas. O termo "inefável" pode ser utilizado para caracterizar sensações, sentimentos, conceitos, aspectos da realidade ou entidades que, pela sua natureza ou grandeza, não podem, ou não devem, ser transmitidos ou descritos pela linguagem humana, embora possam ser conhecidos de forma interior pelos indivíduos.
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