Sei donde matracam os pensamentos.
A cabeça guarda em seu antigo um datilógrafo cuja máquina custa papel e tinta a esgotar. Dera-lhe que desse um tempo, ao menos, de ir à papelaria reabastecer-lhe, olhar as ruas, as meninas, o banal. Mas não, nem isso. Ei-lo cá a pincelar possibilidades ordenando mundos à aparência, mas não só. Prevê probabilidades, incrusta númenos na matéria, ministra escrituras no ar... então volta a forçar o número a cravar-se na matéria, urgi-lhe nome próprio, ungi-la de óleo raro, modelando, qual um deus, compondo cenas que virão nos cumprir. Não deus ainda, mas dentro de um deus desses, maior. Dentro do cérebro de um deus desses; ou ainda melhor, de seu coração. De alguma forma o corpo do escritor acha-se dentro do corpo de deus. Isto dou por certo, eu, que me chamo escritor e que agora achei donde matracam os pensamentos: da inquietude desse deus, corpo enorme, natureza; que fez à todos, as tardes, ao mundos com seus fundos de demais dimensões. E ainda pradarias, profundo mar, veredas e por cima a superfície toda que não dá pra ver e ainda assim há. De tanto tudo pensar pôs logo pôr ânsia tudo à existir. Frutos da urgência de deus fomos e somos e assim nascemos com fome e força. Foi assim toquei, com fome e força, a raiz destas coisas que escrevo e dei por dar um passo no corpo que deus usa pra ser.
Por isso é. Deus e as matracas escrituras.
Livros em fila, cadeiras e outras nossas criaturas.
É escritor e escreve pois não consegue calar. Não consente aprisionar palavras, quer-lhes soltas, extensas. Uma vez externas, passa a escalá-las e aí é uma ginástica só. Num salto danado apraz no papel esboços de exaltação, com quem tenta agarrar um mosquito. Toma elementos e letras, sopra-lhes vida, sabe fazer surgir por alquimia ou pura vontade volútil, alguma volátil criação. Tátil ou não. Densa ou não ainda, mas já existente ao sentido apurado da escrita. Herda a vastidão que há no terreno da imaginação; logo, pode em seu projétil* de pensamentos, aves de matéria do mistério que não se vê, olhar as mãos e se espantar.
Mãos de amassar argila. Moldar ou não ainda. Essas mãos. Essas mãos molhadas.
Que faço com elas, deus donde venho? Ei-las. Eis-me.
* Corpo ao qual, em consequência de um impulso, pode ser comunicada velocidade e dada determinada direção.
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