quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Mais sabe o sol sobre mim

Não querendo mais uma obra para trabalhar, precisava de uma para me divertir. Decidi fazer a Flora petrinsularis e descrever todas as plantas da ilha sem omitir uma só, com detalhes suficientes para me ocupar pelo resto de meus dias. Dizem que um alemão escreveu um livro sobre a casca de um limão; eu teria escrito um sobre cada gramínea dos campos, sobre as pedras; enfim, não queria deixar um fio de grama, um átomo vegetal sem descrição.

Jean-Jacques Rousseau

Título: Tibério Azul

domingo, 27 de outubro de 2013

É

preciso mesmo vestir este céu todo, o todo deste imenso espaço? 
por que esta roupa de nuvens altas e estes pássaros assim nos ombros?
e esses passos soltos? esses passos todos pra onde?
pergunto e o tropeço me dá a frase - fé no chão. hei, de onde ela veio?
estou atenta! quem foi que disse a frase e calou?
passo o passo adiante alongo a questão:
pra quê esse calçado sujo dessa terra se essa mão aqui está cheia de ar? 
a cabeça está cheia de ar.
por que esse vento esquece a poesia que compunha e como era?
e essa altura doada logo retirada, hein? por quem?

um gole no lúpulo gelado abala o corpo.
não quero corpo inerte nem o pé que o tropeça.
o pó recomeça o pé tropeça o erro ressuscita. por que?
o pó o recomeço o pé esse tropeço e errar, ressuscitar?

quero invisível ser estrela que não aparece pois é dia.
poder uma estrela sobre, ofuscada por luz não vista.
possuo essa vista que vê longe vê vênus mas não voa
que quer pousar agora sobre aquela montanha e pode
e quer vestir montanha e não só seu amor de homem
além - deixar amor sobre todos os seres, pudera!

vou lembrar a frase, foi ontem
continha futuro continha agora.
era verso e tinha algo da resposta, mas dormiu.
uma fórmula ajudaria, mas não a tenho ou se tenho está borrada.
essa borra e o tempo que não vão me deixam ver. 
o que fazer? nem sei mas vou passear. 
mais sabe o sol sobre.
me deixe percorrer espaços, sem pesar.
me deite o sopro atemporal.

caber em vestes largas - destinada à ventar.

isto não quer dizer nada e pra nada servem
a pergunta este poema ou o refrão. 
é só um jeito - um trejeito - inquiridor de caminhar.
vai passar e já rio.

...reestabelecimento do universal no individual e do espiritual na consciência física...


sábado, 26 de outubro de 2013

Coisa de Clarice

Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo.

Tô nem aí

A Avenida Beira Rio agora beira o valão.
Triste da casa que beirava um rio e
agora não. Esse tempo distante do ideal.
A placa não tem compromisso com o real.
O cidadão sem esmero pela passagem.
Eu passo. Tô nem aí. Não tô mais lá.
A rua aqui é Olendina Alves.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Anthropophagia petrolorium ex

Vender o que não pode ser 
vendido.

Sobre-exceda ao 
sub-homem seu ser excelso.
Deite
à Terra o que é dela e
contente-se com os frutos de superfície e ar.
Confetes ao homem que virá
deixar em paz Sua entranha e crê
que em sonho intuirá instrução de
Como Obter A Energia Gratuita das Estrelas*.

Ó ser ereto!
Entenda tua mão a que veio que doou-te a guia.



*Como Obter A Energia Gratuita das Estrelas:
Cap. I: Eleve o gesto. Suspenda com avidez. Sustente com densidade. Entusiasme o bom intuito. Prometa a distribuição. Apreenda com intuição. Raciocine com linguajar. Formule geometricamente. Segure com sonho comum e diga sim!

Refresco (sol dado)

Fosses eu largava tudo:
o uniforme, o peso, a arma e o coturno.
Fosses eu inspirava profundo e,
após expirar, exorcizava ar e ia ao mar num raro mergulho.

Fosses eu, sorria e não terias câimbras em seres tu.
Fosses eu seria mais, seríamos nós e o mar sereias. Seria o mundo pátio pras nossas brincadeiras.


Fosses por mim ficava o petróleo fundo e dentro.

Sangue negro, minério fluido, rios indo in veias.

Serias homem fundo de si,
dentro

em silêncio
impessoal a descobrir novas energias
infindas, disponíveis, tudo aí, fosses ar.

Fosses eu e eu não sofria o calor deste afã de

te deitar no mar, de 
te lembrar o feto, de
te superficiar.
Te submergir 
até curvar-se
deste homem teso. Sério.

Emerso.


Anda
até nadar nós 
calmos nas marés.
Ouves?
Harpas dos mares para as gentes... 

Ah! Se veres harpias sobre ti e tudo,
sobre-excederemos. 
Ah, entendas!
Já estou quase. Então
te vento a frescura excelsa
te sopro o gesto livre pena
te doou a parte minha que em ti 

sua.

Dera-me despir-lhe o casaco, o duro acaso, travar-lhe o gatilho e lavar teus pés.
Aceite o refresco. Este sol à tua tez, sol dado, quer lhe esclarecer.

img.: Mariucha Machado

sábado, 19 de outubro de 2013

Reverbera

é só a manhã de um dia imenso

uma incógnita brilhante cintilando
- reflitas
- reflete

é só a repercussão de calor intenso
e esse vapor que resplandece
- desce

eu só no alto do morro vendo 
luzes dos lares reverberando
- a senda ascendo sendo ser e só

(dos seus olhos não sei)

é sua lembrança quem reverbera
- acesa

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Adversa in feliz

infelizmente adversidades 
existem

delas crescem poemas
- é assim não sei porque

nelas vejo
as heras as teias
as veias tesas e
os vasos densos

tendo dentro
a terra o sangue a poeira e a geometria 

contendo nelas essa nossa poesia 
nandando
adversa 
in feliz

- quanto mais nada melhor 

quanto mais caio suspendo os braços
pro ar voar 
vou nadar no ar 
adversa à 
gravidade 

- só pousar in feliz no cume de un verso bravo
que nos explique do que temos de ser salvos mesmo?

Img.: Água congelada no Oceano Ártico
Frase ilustrativa de Allen Ginsberg
- Eu tenho visões místicas e vibrações cósmicas

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Superfluidade monumental

pixe concreto
tinta acusa
perdão concerta
estrutura abusa

escultura e pesa
passado desperta
guerra e outra paz
acertos e contas e

pedra assim
melhor quietar no interior da montanha
ouro assim
melhor descansar úmido fundo num riacho
cavalo assim
bonito erguido passeando pastar do prado
gente assim
gene índio negro e eu tudo preso na pedra
as assim superfluidades
ranço preconceito tudo dentro da história
empedrada
monumentalmente velha
empedrada
e o ovo novo esperando quem lhe choque

aviso!

tampem os ouvidos brotos
preserve-os às atrocidades
filhotes não se lembram não
o banho nas águas rasas do
esquecimento é o perdão
presente da natureza, viu?

você viu a mesma Terra que o índio?
você viu o olhar recém nascido?
você viu o sono do grilo?
você viu?

Img.: Felipe Rau

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Suspensa poesia do poema imponderável

Tem sido um privilégio de nossa época - entre guerras, revoluções e grandes movimentos sociais - desenvolver a fecundidade da poesia até limites insuspeitados.
Pablo Neruda