terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Poemas de Alejandra Pizarnik

"Oxalá, pudesse viver somente em êxtase, fazendo o corpo do poema como meu próprio corpo, resgatando cada frase com meus dias e minhas semanas, fundindo no poema o meu sopro à medida que cada letra de cada palavra tenha sido sacrificada nas cerimônias do viver".

Caminhos do espelho
E sobretudo olhar com inocência. Como se nada se passasse, o que é certo.
 Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite.
Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatida pela chuva.
Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.
Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral.
Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste.
A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios.
E a sede, a minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo.
Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações.
Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.
Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Há alguém aqui que treme. Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem. E o que desejava eu? Desejava um silêncio perfeito. Por isso falo.
A noite parece um grito de lobo.
Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento.
A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma.
Algo caía no silêncio. A minha última palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa.
Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.
Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, arrasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz. "Extração da Pedra da Loucura" (1968), tradução de Luciana Leiderfarb 



Exílio
Esta mania de me saber anjo, sem idade, sem morte para a qual viver, sem piedade por meu nome nem por meus ossos que choram vagando E quem não tem um amor? Sinistro delírio amar uma sombra. E quem não goza por entre amapolas? E quem não possui um fogo, uma morte, um medo, algo horrível, ainda que fira com plumas, ainda que fira com sorrisos? A sombra não morre. E meu amor só abraça ao que flui como lava do inferno: una loja calada, fantasmas em doce ereção, sacerdotes de espuma, e sobretudo anjos, anjos belos como lâminas que se elevam na noite e devastam a esperança.


Trecho do diário
"Não sei quando comecei a buscar esta pessoa. Não sei mesmo quem é, não a conheço. É estranho como e quando a busquei. Eu já não sou eu mesma, sou meus olhos. Procurem. Entre as folhas mortas, entre as árvores filosofas, no sim e no não, no revés e no direito, em um copo de água e em minha sede de sempre".

A jaula

Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.

Eu não sei do sol.
Sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa nua
em minha sombra.

Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.

Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.
tradução Carlos Machado

Fragmentos para dominar o silêncio
As forças da linguagem são damas solitárias, desoladas, que cantam através da minha voz que escuto a distância. E distante, na arena negra, jaz uma menina densa de música ancestral. Onde está a verdadeira morte? Quis me iluminar à luz de minha falta de luz. Os ramos morrem na memória. A que jaz aninhada em mim com sua máscara de loba. A que não pôde mais e implorou chamas e ardemos. Quando voa o telhado da casa da linguagem e as palavras não protegem, eu falo. As damas de rubro se perderam dentro de suas máscaras ainda que regressassem para soluçar entre flores. Não é muda a morte. Escuto o canto dos enlutados selar a rachaduras do silêncio. Escuto seu dulcíssimo pranto florescer meu silêncio gris. A morte restituiu ao silêncio seu prestígio encantador. E eu não direi meu poema e eu tenho que dizê-lo. Mesmo que o poema (aqui, agora) não tenha sentido, não tenha destino. 


Anéis de Cinza 
São minhas vozes cantando para que não cantem eles, os amordaçados cinzentos do alvorecer, os vestidos de pássaro desolado na chuva. Há, na espera, um murmúrio liláceo rompendo-se. E há, quando vem o dia, uma divisão do sol em pequenos sóis negros. E quando é noite, sempre, uma tribo de palavras mutiladas procura abrigo em minha garganta para que eles não cantem, os sombrios, os donos do silêncio. 

Formas 
Não sei se pássaro ou jaula mão assassina ou jovem morta ofegando na grande garganta escura ou silenciosa mas talvez oral como uma fonte talvez jogral ou princesa na mais alta torre.

Salvação
Se a ilha escapa e a moça volta a escalar o vento e a descobrir a morte do pássaro profeta Agora é o fogo submetido Agora é a carne a folha a pedra perdidos na fonte do tormento como o navegante no horror da civilização que purifica a caída da noite Agora a moça descobre a máscara do infinito e rompe o muro da poesia 


Peregrinação 
Chamei, chamei como náufraga ditosa as ondas verdugas que conhecem o verdadeiro nome da morte Chamei o vento confiei-lhe o meu desejo de ser Mas um pássaro morto voa até a desesperança em meio à música quando bruxas e flores cortam a mão da bruma. Um pássaro morto chamado azul. Não é solidão com asas, é o silêncio da prisioneira, é a mudez de pássaros e vento, é o mundo irritado com meu riso ou os guardiões do inferno rompendo minhas cartas. Tenho chamado, tenho chamado Tenho chamado até nunca.
traduções de Antonio Miranda

http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/argentina/alejandra_pizarnik.html

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