Tenha tú cuidado em não perturbar, nem numa nota, o silêncio desta tarde. desta tarde é mestre o silêncio. Rege maestro a orquestra das faltas de ânsias. Olhe como é grande. Ouça, nada diz. Nem uma ideia. Pousa calma a imaginação. Deita-se a inteligência. Veja: Virginia Woolf. Acentue a falta de ruídos, calai vós.
pra exórdio de conversa exuma-se de si e aí te admoesto a ir ao cume nonde tratem anacoretas descidos poderemos tratar do posfácio sem o mostrar a livro algum
Venho falar das coisas que penso, que quero dizer mas não digo. Mas penso, e isto já é grande coisa. E penso com a consciência que é maior que o pensamento. Uso esse corpo mas meu espírito é livre e viaja com os ventos. Só porque o céu tem esse azul tão bonito que me encorajo a escrever no ar tais palavras que serão ditas. Quem fica dizendo que não vota e só fala em eleição não está livre das dicotomias. O super-homem do Nietzsche não exalaria vapores envenenados. No mais só o vapor das brumas ou de alguma boa erva queimando. E que fique dito que falo isso com um cigarro entre dedos. Não estou isenta. Meu voto é sempre em trânsito: achei bom pretexto para viajar. Os carros de som ditando seus dogmas de religião imbuída da política obriga-nos a pôr um Jorge Ben Jor pra cantar. E a dançar.
escrevia poesia quando uma folha por morrer pela janela veio à mim não escrevi mais uma folha a morrer é tão melhor que calo não sou eu quem dirá o segredo impresso na nervura de uma folha mordida voando à decomposição
Vocês aí não sabem a causa dos mares tantos respeitarem estas largas faixas litorâneas, aquelas emergentes ilhas de luminâncias, algum veleiro mais toda a sorte de embarcação, aquele toco que boia, os corpos do naufrágio?
Não será pois porque cintilam em seus ouvidos de concha côncava toda a míriade de poemas, odes, idílios, compostos e erguidos à tanta imensidão azul. Pois a palavra azul mora abissal mas quebra em branca onda quando encontra a reunião de areia ínfima que de tanta e junta é bege e a respeita desenhando o fronteiriço, margem continental.
Vento e volta.
Jorge Gonzáles
Pois palavras mil em ordem e ritmo destinados nadam à teu horizonte longínquo, lá onde a vista alcança mas as mãos não. Talvez a voz sim. Porquanto o homem iça a vela. Por isto estou cá e tú aí erguido e a palmeira ao alísio dance
... e talvez eis a explicação de tudo de tantos mares respeitarem estas largas faixas litorâneas, aquelas emergentes ilhas de luminâncias, algum veleiro mais toda a sorte da canoa, aquele troço que boia, os copos do naufrágio, a garrafa, o conter das baleias, o caber nas baías, a balela dos piratas, a única verdade audível, o invisível que há
o teu sorriso aberto uma folha em branco ainda mais branca sob a luz aí reflete a idéia de teus braços também abertos. teimo em viver esse sol sentido cá da terra - tão quentinho eu cá pequenino em meu cantinho querendo ver deus ou anjo mas ainda vejo poucas cores e muitas borboletas que dizem diretamente à alma que quardam, não secretamente a potência de erguer-se ao solo e sobrevoar sobre ver e volver à nascer cá planeta monolunar dentre as mais belas esferas
Num quarto de ideias de teto alto Tem-se ao centro deste uma luminária Cujo amarelo da lâmpada faz parecer Um sol pleno à meia noite Em seu ar, éter e sabe-se mais o quê Um relógio batendo tempo igual ao meu coração batendo dentro do mundo o eterno momento Nesta fusão de agora nesse quarto em questão que na noite que sinto guardei o sono. O sonho extrapola lá fora. Por hora a vigília me tem atenta ao topo das ideias que permeiam este recinto até ao alto teto e deste afora céu miríade de estrelas sobre a lâmpada - um teorema. Por ela tentei o poema. De seus raios partiram toda a senda de uma ideia tosca toda amarela. De unhas vermelhas escrevo porque quis que o belo tivesse vez. Quis que o verso fizesse sentido. Quero ter este quarto como a um vestido. Cheiro a colcha, é quase jasmim. Que concha parece o ouvido! À ti deito-me. Sim.
Um dia vais ver dar a volta e volver fora de mim. E então vais voejar os séculos estudar os mistérios nas criptas cardio e demais não nos podem contar Devolver-se-há à mim revolto parado erguido de pé ante a vida revolvido, resolvido pé diante e a trilha a destecer o tédio em deslumbre a relaxar os músculos todos descansar as fibras de face nova serei devolvida resolvida, dissolvida farei honras à viagem que fiz sem arrancar nem uma única flor digo que plantei uma árvore e não foi pouco que dei de ir volátil e voltei safira
o céu nunca é o mesmo nem nós haveríamos de sê-lo acordei perdido de quem ontem fui caminho por pés e pernas bambas, firmes, distraídas desviadas dos jardins espontâneos que surgem não aleatórios, por aí essas coisinhas pequeninas de esperança focalizam minha visão, pura e criança na luz majestosa que se dá na vala negra aí perdi o poema que tecia ali no brilho do sol na vala negra que disse muito mais que o que tento eu antena espectadora do movimento de um ser muito maior que eu, por onde venho aonde hei de volver e que insiste em mostrar sinais de onde sou eu, terra visor de paisagens eternas que se mudam e a mim eu, terra, pouso de sonhos esmaecidos e vivos ainda assim
Deixe aqui pastar o teu cavalo. Deixe-o aqui a desenhar um passeio. Empresta-nos teu fiel jardineiro que nada lhe cobramos em torno e a água é por nossa conta e do céu. Deixe que a terra do nosso quintal sinta a força das passadas do teu grande animal. As árvores frutificam mais se há mais a quem deva servir frutos. Deixe, que aqui comerá goiabas, mangas, folhas de aipim, cheirará o solo a cata de amêndoas e num momento parará à sombra para repousar. Logo se movimentará, aguarde que verá. Voltará a sua função de dar à terra uma roupa verde orvalhada, mastigando os excessos das pontas do capim. Quanto à nós teremos a penugem dos gramados, recortados os arbustos, construídos os caminhos eis o chão que nos limpa os sapatos e nos desfila variados insetos. Miríades borboletas. Deixe aqui seu cavalo e receba nossa gratidão.
esse passo que damos e o horizonte esse pouco que somos e tudo que buscamos conhecer esse pasmo em tudo que ousamos ainda tem esse lodo que temos colados aos pés por cima tudo aquilo que não está ao alcance da mão tudo o que em nós é pouco nos quer mais tudo o que em nós é homem quer ter deus tudo que em nós teme quer coragem esse pouco, naufragar, desabar e pó tudo isso que nos contam de nós e que nos quer fabulosos essa guerra, o tamanho da ira, querendo-nos como? tudo que não está ao alcance das mãos pode vir a ter-nos de mãos postas não sobrepostas, postas postas, não prostradas se os pés descalços levitarem ao lodo do qual crescemos do barro aprendemos e no impulso de um vôo pés alados - mãos extensas eis quase morro pés alados, mãos extensas a pegar o sonho e moldar em matéria divina condensada a única disponível, estelar essa que temos por densa, por nós que somos homem constituídos por átomos, mônada, moléculas construídos por quem? por onde? pegar as mãos extremas aos braços e costurar na matéria as linhas sutis da fina seda retirada de metais incandescentes, cristais, cintilas, miríades mãos potentes levantar os pés
é outra dimensão - que susto esse pouco que somos será tudo que há e o que formos será em alguns tomos será mais alguns tombos será ajuste no foco e terá quem ajusta é o coração os olhos só veem fora hora de alar os olhos torná-los clarividentes a visão desse deus além que nos quer bem, esse pai se queremos além alçar-nos nós, os homens de hermes que lembramos de deus só por ver a lua só por vermos sol sós, imensos e ínfimos nós viventes do corpo denso terra planeta raio azul
sentidos radiantes profundo despertar em calma liquidez abertura tão longa e verde as palavras dizem finalmente as legendas do longínquo por toda a parte frémitos florescências as superfícies serenas respondem uma outra orientação mais ligeira mais livre libertou-me da névoa habitual os cimos emergem
Foi mais de um ano assim, acordar para escrever, ir dormir depois de
escrever. Claro que a vida acontecia na mesma - amigos, cervejas,
mergulhos, chuva, empregos, tudo. Mas durante aquela temporada havia um
eixo central (…) [que] era o livro. Quando comecei essa temporada nem
tinha a total consciência de que ia ser assim tão firme, tão constante.
Mas foi. Foi uma prática diária, e quase tudo o que se pratica
diariamente se afina e ganha as suas próprias regras. E ao mesmo tempo
acaba dando uma regra à vida. Foi um tempo muito bom, ganhei uma
cadência e um sossego que contaminou quase todos os meus gestos. É como
um ginásio, sabes? Como fazer jogging todas as manhãs. Fica no corpo e
muda o corpo. Fazer este livro foi muito isso.
Meu bem, não posso ir. É que um novo cacho desponta por mim. As bananas, elas também, querem-me com toda a fome e amarelam. E é com amor e canela que as comerei, uma a uma e por fim todas e só depois à ti. Ó, se aperreie não. Coma arroz e feijão. Mais um feixe de luz e eis-me nua e tua. Nos comeremos e a tudo. Abocanhemos todo o tempo. Outra dentada. Mais mel. Uma delícia.
Sei donde matracam os pensamentos. A cabeça guarda em seu antigo um datilógrafo cuja máquina custa papel e tinta a esgotar. Dera-lhe que desse um tempo, ao menos, de ir à papelaria reabastecer-lhe, olhar as ruas, as meninas, o banal. Mas não, nem isso. Ei-lo cá a pincelar possibilidades ordenando mundos à aparência, mas não só. Prevê probabilidades, incrusta númenos na matéria, ministra escrituras no ar... então volta a forçar o número a cravar-se na matéria, urgi-lhe nome próprio, ungi-la de óleo raro, modelando, qual um deus, compondo cenas que virão nos cumprir. Não deus ainda, mas dentro de um deus desses, maior. Dentro do cérebro de um deus desses; ou ainda melhor, de seu coração. De alguma forma o corpo do escritor acha-se dentro do corpo de deus. Isto dou por certo, eu, que me chamo escritor e que agora achei donde matracam os pensamentos: da inquietude desse deus, corpo enorme, natureza; que fez à todos, as tardes, ao mundos com seus fundos de demais dimensões. E ainda pradarias, profundo mar, veredas e por cima a superfície toda que não dá pra ver e ainda assim há. De tanto tudo pensar pôs logo pôr ânsia tudo à existir. Frutos da urgência de deus fomos e somos e assim nascemos com fome e força. Foi assim toquei, com fome e força, a raiz destas coisas que escrevo e dei por dar um passo no corpo que deus usa pra ser.
Por isso é. Deus e as matracas escrituras. Livros em fila, cadeiras e outras nossas criaturas.
É escritor e escreve pois não consegue calar. Não consente aprisionar palavras, quer-lhes soltas, extensas. Uma vez externas, passa a escalá-las e aí é uma ginástica só. Num salto danado apraz no papel esboços de exaltação, com quem tenta agarrar um mosquito. Toma elementos e letras, sopra-lhes vida, sabe fazer surgir por alquimia ou pura vontade volútil, alguma volátil criação. Tátil ou não. Densa ou não ainda, mas já existente ao sentido apurado da escrita. Herda a vastidão que há no terreno da imaginação; logo, pode em seu projétil* de pensamentos, aves de matéria do mistério que não se vê, olhar as mãos e se espantar.
Mãos de amassar argila. Moldar ou não ainda. Essas mãos. Essas mãos molhadas.
Que faço com elas, deus donde venho? Ei-las. Eis-me.
* Corpo ao qual, em consequência de um impulso, pode ser comunicada velocidade e dada determinada direção.
Era e é. Foi-se e será. Que mais vai se dar? Volátil ouso ser. As dunas são volúveis. Se morrer vou tornar a ser uma. Uma vida dedicarei a ser nuvem. Ainda não sei em qual. Ainda não sei miríades. Ando e singro à esmo. Ainda não pasmei.
Já plasmei: palmeiras, troncos, corredeiras. Cordilheiras são de fato imóveis e tangíveis. A falta de experiência é experiência das mais difíceis. Tudo é acontecimento. A falta acontece e é de fato. O silêncio está profundo e fala alto. Vou sair de mim e volver águas. Volto. Esta subjetividade é tangível: pegue.
Um homem e a máquina acordam à mesma hora que o pássaro. Não combinam. Não acordam. Não concordam. São sem acordo. Soam sem consonância. Absurdo. Absonare. Absonam. Tá claro que somam nada, dada alta dissonância, tamanha distância sem profundo, abissal.
Entre si discrepância e o sol lá.
O sol lá.
Se há acordo, e só se, e será: lá se vão em voo rumo à Arcádia.
Aqui não mais tratamos com formas externas, mas vemos as coisas em si mesmas, a realidade subjacente na expressão imperfeita. Aqui causa e efeito são unificados, claramente visíveis em sua unidade como o anverso e o reverso de uma mesma medalha. Aqui temos deixado o concreto pelo abstrato; não mais temos a multiplicidade de formas, mas a ideia subjacente em todas essas formas. Aqui é acessível a essência das coisas; não mais estudamos detalhes; não mais nos alongamos em torno de um assunto nem nos esforçamos em explicações; apanhamos a essência ou ideia central do assunto e a movemos como um todo, tal qual se move uma peça num jogo de xadrez. O que no mundo terreno seria um sistema filosófico cuja explicação requereria muitos volumes, é ali um simples e definido objeto, um pensamento que se pode emitir com a mesma facilidade com que se deita um naipe sobre o tapete de uma mesa de jogo. Uma ópera de oratório que em nosso mundo exige numerosa orquestra com longas horas de execução é ali uma simples vibração mais intensa.
Senhores, eu fiz apenas um ramalhete de flores escolhidas: nele nada existe de meu, a não ser o laço que as prende. Rompei o cordão ou desatai o laço, como vos parecer melhor. E quanto ao
ramalhete de fatos, jamais podereis destruí-lo. Podeis ignorá-lo, e nada
mais.
H.P. Blavatsky (citando Montaigne) em A Doutrina Secreta
Meu corpo boiando à deriva. Confio nas ondas. Vejo o céu como não o vêem as aves. Brinco de morrer. Estou ao sabor do mar como nuvens à mercê do vento. Tranquilidade emocionante, além humana, alimentada.
Em uma hora terei de nadar até que meus pés toquem o chão fundo e eis a praia.
Erguerei o corpo que é meu. Vestirei o nome que me trouxe aqui. Trarei na tez suor e para sempre esta suave lembrança - fotografia do dia de quem confia no mar e dele ainda se umedece.