domingo, 21 de dezembro de 2014

Deambular

v.i. Vaguear ou passear; andar sem rumo certo: deambulava pela praia.
(Etm. do latim: deambulare)

domingo, 16 de novembro de 2014

Calai vós

Tenha tú cuidado em não perturbar, nem numa nota, o silêncio
desta tarde. desta tarde é mestre o silêncio.
Rege maestro a orquestra das faltas de ânsias.

Olhe como é grande. Ouça, nada diz.
Nem uma ideia. Pousa calma a imaginação. 
Deita-se a inteligência. Veja: Virginia Woolf.
Acentue a falta de ruídos, calai vós.

Irrigação

Ter teu
sémen
é
semear-me

as possibilidades existenciais

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O que não foi escrito

Flora Didonet
pra exórdio de conversa
exuma-se de si
e aí te admoesto
a ir ao cume nonde tratem anacoretas

descidos poderemos tratar do posfácio
sem o mostrar a livro algum

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

ave


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Do que quero falar

Venho falar das coisas que penso, que quero dizer mas não digo. Mas penso, e isto já é grande coisa. E penso com a consciência que é maior que o pensamento. Uso esse corpo mas meu espírito é livre e viaja com os ventos. Só porque o céu tem esse azul tão bonito que me encorajo a escrever no ar tais palavras que serão ditas.

Quem fica dizendo que não vota e só fala em eleição não está livre das dicotomias. O super-homem do Nietzsche não exalaria vapores envenenados. No mais só o vapor das brumas ou de alguma boa erva queimando. E que fique dito que falo isso com um cigarro entre dedos. Não estou isenta. Meu voto é sempre em trânsito: achei bom pretexto para viajar. Os carros de som ditando seus dogmas de religião imbuída da política obriga-nos a pôr um Jorge Ben Jor pra cantar. E a dançar.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Botânica

escrevia
poesia
quando uma folha 
por morrer
pela janela
veio à mim

não escrevi mais
uma folha a morrer
é tão melhor
que calo

não sou eu quem dirá o segredo
impresso na nervura de uma folha
mordida voando à decomposição

domingo, 14 de setembro de 2014

Porquanto o homem iça a vela

Vocês aí não sabem a causa dos mares tantos respeitarem estas largas faixas litorâneas, aquelas emergentes ilhas de luminâncias, algum veleiro mais toda a sorte de embarcação, aquele toco que boia, os corpos do naufrágio? 

Não será pois porque cintilam em seus ouvidos de concha côncava toda a míriade de poemas, odes, idílios, compostos e erguidos à tanta imensidão azul. Pois a palavra azul mora abissal mas quebra em branca onda quando encontra a reunião de areia ínfima que de tanta e junta é bege e a respeita desenhando o fronteiriço, margem continental. 

Vento e volta.
Jorge Gonzáles
Pois palavras mil em ordem e ritmo destinados nadam à teu horizonte longínquo, lá onde a vista alcança mas as mãos não. 
Talvez a voz sim. 
Porquanto o homem iça a vela.
Por isto estou cá e tú aí erguido e a palmeira ao alísio dance


... e talvez eis a explicação de tudo de tantos mares respeitarem estas largas faixas litorâneas, aquelas emergentes ilhas de luminâncias, algum veleiro mais toda a sorte da canoa, aquele troço que boia, os copos do naufrágio, a garrafa, o conter das baleias, o caber nas baías, a balela dos piratas, a única verdade audível, o invisível que há

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O astronauta e a abóboda

o teu sorriso aberto
uma folha em branco
ainda mais branca sob a luz
aí reflete a idéia de teus braços
também abertos.

teimo em viver
esse sol sentido cá da terra - tão quentinho
eu cá
pequenino
em meu cantinho 
querendo ver deus ou anjo

mas ainda vejo poucas cores
e muitas borboletas
que dizem diretamente à alma
que quardam, não secretamente
a potência de erguer-se ao solo e sobrevoar
sobre ver
e volver à nascer cá
planeta monolunar dentre as mais belas esferas

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Uma idéia toda amarela

Num quarto de ideias de teto alto
Tem-se ao centro deste uma luminária 
Cujo amarelo da lâmpada faz parecer
Um sol pleno à meia noite
Em seu ar, éter
e sabe-se mais o quê
Um relógio batendo tempo igual
ao meu coração batendo dentro
do mundo o eterno momento
Nesta fusão de agora
nesse quarto em questão
que na noite que sinto 
guardei o sono.

O sonho extrapola lá fora. Por hora a vigília me tem atenta 
ao topo das ideias que permeiam este recinto 
até ao alto teto e deste afora
céu miríade de estrelas sobre a lâmpada - um teorema. 
Por ela tentei o poema. 
De seus raios partiram toda a senda de uma ideia tosca toda amarela.

De unhas vermelhas escrevo porque quis que o belo tivesse vez. 
Quis que o verso fizesse sentido. Quero ter este quarto como a um vestido. 
Cheiro a colcha, é quase jasmim. Que concha parece o ouvido! À ti deito-me.
Sim.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Safira

PICASSO
Um dia vais ver
dar a volta e volver fora de mim.
E então vais voejar os séculos
estudar os mistérios nas criptas cardio
e demais não nos podem contar
Devolver-se-há à mim revolto
parado erguido de pé ante a vida
revolvido, resolvido
pé diante e a trilha
a destecer o tédio em deslumbre
a relaxar os músculos todos
descansar as fibras
de face nova serei devolvida
resolvida, dissolvida
farei honras à viagem
que fiz sem arrancar nem uma única flor

digo que plantei uma árvore e não foi pouco
que dei de ir volátil e voltei
safira

Reflexão sobre o reflexo na poça

o céu nunca é o mesmo
nem nós haveríamos de sê-lo
acordei perdido de quem ontem fui
caminho por pés e pernas
bambas, firmes, distraídas
desviadas dos jardins espontâneos
que surgem não aleatórios, por aí
essas coisinhas pequeninas de esperança
focalizam minha visão, pura e criança
na luz majestosa que se dá na vala negra
aí perdi o poema que tecia
ali no brilho do sol na vala negra
que disse muito mais que o que tento
eu antena espectadora do movimento
de um ser muito maior que eu, por onde venho
aonde hei de volver e que insiste em mostrar sinais de onde sou
eu, terra visor de paisagens eternas que se mudam e a mim
eu, terra, pouso de sonhos esmaecidos e vivos ainda assim

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Cartaz na beira da estrada

Deixe aqui pastar o teu cavalo.
Deixe-o aqui a desenhar um passeio.

Empresta-nos teu fiel jardineiro que nada lhe cobramos em torno e a água é por nossa conta e do céu.

Deixe que a terra do nosso quintal sinta a força das passadas do teu grande animal. As árvores frutificam mais se há mais a quem deva servir frutos. Deixe, que aqui comerá goiabas, mangas, folhas de aipim, cheirará o solo a cata de amêndoas e num momento parará à sombra para repousar.

Logo se movimentará, aguarde que verá. Voltará a sua função de dar à terra uma roupa verde orvalhada, mastigando os excessos das pontas do capim. Quanto à nós teremos a penugem dos gramados, recortados os arbustos, construídos os caminhos eis o chão que nos limpa os sapatos e nos desfila variados insetos. Miríades borboletas.

Deixe aqui seu cavalo e receba nossa gratidão.

domingo, 10 de agosto de 2014

Fábula

esse passo que damos e o horizonte
esse pouco que somos e tudo que buscamos conhecer
esse pasmo em tudo que ousamos ainda tem
esse lodo que temos colados aos pés por cima tudo aquilo que não está ao alcance da mão
tudo o que em nós é pouco nos quer mais
tudo o que em nós é homem quer ter deus
tudo que em nós teme quer coragem
esse pouco, naufragar, desabar e pó
tudo isso que nos contam de nós e que nos quer fabulosos
essa guerra, o tamanho da ira, querendo-nos como?
tudo que não está ao alcance das mãos pode vir a ter-nos de mãos postas
não sobrepostas, postas
postas, não prostradas

se os pés descalços levitarem ao lodo do qual crescemos
do barro aprendemos
e no impulso de um vôo
pés alados - mãos extensas
eis
quase morro
pés alados, mãos extensas a
pegar o sonho e moldar em matéria divina condensada
a única disponível, estelar
essa que temos por densa, por nós que somos homem
constituídos por átomos, mônada, moléculas
construídos por quem? por onde?
pegar as mãos extremas aos braços e costurar na matéria as linhas sutis da
fina seda retirada de metais incandescentes, cristais, cintilas, miríades
mãos potentes
levantar os pés

é outra dimensão - que susto

esse pouco que somos será tudo que há
e o que formos será
em alguns tomos será
mais alguns tombos será

ajuste no foco e terá
quem ajusta é o coração
os olhos só veem fora

hora de alar os olhos
torná-los clarividentes a visão desse deus além 
que nos quer bem, esse pai
se queremos além alçar-nos
nós, os homens de hermes
que lembramos de deus só por ver a lua
só por vermos sol 
sós, imensos e ínfimos
nós viventes do corpo denso terra
planeta raio azul

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

os cimos emergem

sentidos radiantes
profundo despertar em calma liquidez
abertura tão longa e verde
as palavras dizem finalmente as legendas do longínquo
por toda a parte frémitos florescências
as superfícies serenas respondem
uma outra orientação mais ligeira mais livre
libertou-me da névoa habitual
os cimos emergem

Antonio Ramos Rosa

sábado, 2 de agosto de 2014

Jóquei

Foi mais de um ano assim, acordar para escrever, ir dormir depois de escrever. Claro que a vida acontecia na mesma - amigos, cervejas, mergulhos, chuva, empregos, tudo. Mas durante aquela temporada havia um eixo central (…) [que] era o livro. Quando comecei essa temporada nem tinha a total consciência de que ia ser assim tão firme, tão constante. Mas foi. Foi uma prática diária, e quase tudo o que se pratica diariamente se afina e ganha as suas próprias regras. E ao mesmo tempo acaba dando uma regra à vida. Foi um tempo muito bom, ganhei uma cadência e um sossego que contaminou quase todos os meus gestos. É como um ginásio, sabes? Como fazer jogging todas as manhãs. Fica no corpo e muda o corpo. Fazer este livro foi muito isso.

Matilde Campilho

The Glyph Maker" by Charles L. Gilchrist


rendas moleculares

https://www.behance.net/NeSpoon

sábado, 21 de junho de 2014

Com toda a fome

Meu bem, não posso ir.
É que
um novo cacho desponta por mim.
As bananas, elas também, querem-me com toda a fome e amarelam.
E é
com amor e canela que as comerei, uma a uma e por fim todas
e só depois à ti.

Ó, se aperreie não.
Coma arroz e feijão.
Mais um feixe de luz e eis-me nua e tua.
Nos comeremos e a tudo.
Abocanhemos todo o tempo.
Outra dentada.
Mais mel.
Uma delícia.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Glosa

amor
palavra dançarina
ocitocina

O olho dentro do instante

Sei donde matracam os pensamentos.

A cabeça guarda em seu antigo um datilógrafo cuja máquina custa papel e tinta a esgotar. Dera-lhe que desse um tempo, ao menos, de ir à papelaria reabastecer-lhe, olhar as ruas, as meninas, o banal. Mas não, nem isso. Ei-lo cá a pincelar possibilidades ordenando mundos à aparência, mas não só. Prevê probabilidades, incrusta númenos na matéria, ministra escrituras no ar... então volta a forçar o número a cravar-se na matéria, urgi-lhe nome próprio, ungi-la de óleo raro, modelando, qual um deus, compondo cenas que virão nos cumprir. Não deus ainda, mas dentro de um deus desses, maior. Dentro do cérebro de um deus desses; ou ainda melhor, de seu coração. De alguma forma o corpo do escritor acha-se dentro do corpo de deus. Isto dou por certo, eu, que me chamo escritor e que agora achei donde matracam os pensamentos: da inquietude desse deus, corpo enorme, natureza; que fez à todos, as tardes, ao mundos com seus fundos de demais dimensões. E ainda pradarias, profundo mar, veredas e por cima a superfície toda que não dá pra ver e ainda assim há. De tanto tudo pensar pôs logo pôr ânsia tudo à existir. Frutos da urgência de deus fomos e somos e assim nascemos com fome e força. Foi assim toquei, com fome e força, a raiz destas coisas que escrevo e dei por dar um passo no corpo que deus usa pra ser.

Por isso é. Deus e as matracas escrituras. 
Livros em fila, cadeiras e outras nossas criaturas.

É escritor e escreve pois não consegue calar. Não consente aprisionar palavras, quer-lhes soltas, extensas. Uma vez externas, passa a escalá-las e aí é uma ginástica só. Num salto danado apraz no papel esboços de exaltação, com quem tenta agarrar um mosquito. Toma elementos e letras, sopra-lhes vida, sabe fazer surgir por alquimia ou pura vontade volútil, alguma volátil criação. Tátil ou não. Densa ou não ainda, mas já existente ao sentido apurado da escrita. Herda a vastidão que há no terreno da imaginação; logo, pode em seu projétil* de pensamentos, aves de matéria do mistério que não se vê, olhar as mãos e se espantar. 


Mãos de amassar argila. Moldar ou não ainda. Essas mãos. Essas mãos molhadas. 

Que faço com elas, deus donde venho? Ei-las. Eis-me.

* Corpo ao qual, em consequência de um impulso, pode ser comunicada velocidade e dada determinada direção.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Ainda não (sobre as tangibilidades)

Era e é.
Foi-se e será.
Que mais vai se dar?


Volátil ouso ser.
As dunas são volúveis.
Se morrer vou tornar a ser uma.
Uma vida dedicarei a ser nuvem.

Ainda não sei em qual.
Ainda não sei miríades.
Ando e singro à esmo.

Ainda não pasmei.

Já plasmei:
palmeiras, troncos, corredeiras. 

Cordilheiras são de fato imóveis e tangíveis.

A falta de experiência é experiência das mais difíceis.
Tudo é acontecimento. A falta acontece e é de fato.
O silêncio está profundo e fala alto. 

Vou sair de mim e volver águas.
Volto. Esta subjetividade é tangível: pegue.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Absonare ou Arcadia?

Wés
Um homem e a máquina acordam à mesma hora que o pássaro. Não combinam.

Não acordam.
Não concordam.
São sem acordo.
Soam sem consonância. 

Absurdo. Absonare. Absonam. 
Tá claro que somam nada, dada
alta dissonância, tamanha distância sem profundo, abissal.

Entre si
discrepância
e o sol lá.

O sol lá.

Se há acordo, e só se, e será:
lá se vão em voo rumo à Arcádia.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Aqui

Annie Besant e C. W. Leadbeater
Aqui não mais tratamos com formas externas, mas vemos as coisas em si mesmas, a realidade subjacente na expressão imperfeita. Aqui causa e efeito são unificados, claramente visíveis em sua unidade como o anverso e o reverso de uma mesma medalha. Aqui temos deixado o concreto pelo abstrato; não mais temos a multiplicidade de formas, mas a ideia subjacente em todas essas formas. Aqui é acessível a essência das coisas; não mais estudamos detalhes; não mais nos alongamos em torno de um assunto nem nos esforçamos em explicações; apanhamos a essência ou ideia central do assunto e a movemos como um todo, tal qual se move uma peça num jogo de xadrez. O que no mundo terreno seria um sistema filosófico cuja explicação requereria muitos volumes, é ali um simples e definido objeto, um pensamento que se pode emitir com a mesma facilidade com que se deita um naipe sobre o tapete de uma mesa de jogo. Uma ópera de oratório que em nosso mundo exige numerosa orquestra com longas horas de execução é ali uma simples vibração mais intensa.

C. W. Leadbeater

terça-feira, 22 de abril de 2014

Numeno

O um para ser três antes foi dois.

O um deve ser dois e só depois
dará três.

O três já foi um e será mais.

sábado, 12 de abril de 2014

Ramalhete


Senhores, eu fiz apenas um ramalhete de flores escolhidas: nele nada existe de meu, a não ser o laço que as prende. Rompei o cordão ou desatai o laço, como vos parecer melhor. E quanto ao ramalhete de fatos, jamais podereis destruí-lo. Podeis ignorá-lo, e nada mais.


H.P. Blavatsky (citando Montaigne) em A Doutrina Secreta

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Derivas

img. odyr bernardi
Meu corpo boiando à deriva.
Confio nas ondas.
Vejo o céu como não o vêem as aves.
Brinco de morrer. 
Estou ao sabor do mar como nuvens à mercê do vento.
Tranquilidade emocionante, além humana, alimentada.

Em uma hora terei de nadar até que meus pés toquem o chão fundo e eis a praia. 

Erguerei o corpo que é meu. 
Vestirei o nome que me trouxe aqui. 
Trarei na tez suor e para sempre esta suave lembrança - fotografia do dia de quem confia no mar e dele ainda se umedece.