"Oxalá, pudesse viver somente em êxtase, fazendo o corpo do poema como meu próprio corpo, resgatando cada frase com meus dias e minhas semanas, fundindo no poema o meu sopro à medida que cada letra de cada palavra tenha sido sacrificada nas cerimônias do viver".
Caminhos do espelho
E sobretudo olhar com inocência. Como se nada se passasse, o que é certo.
Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite.
Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatida pela chuva.
Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.
Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral.
Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste.
A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios.
E a sede, a minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo.
Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações.
Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.
Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras.
Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Há alguém aqui que treme. Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem.
E o que desejava eu?
Desejava um silêncio perfeito.
Por isso falo.
A noite parece um grito de lobo.
Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento.
A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma.
Algo caía no silêncio. A minha última palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa.
Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.
Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, arrasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz.
"Extração da Pedra da Loucura" (1968), tradução de Luciana Leiderfarb
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
A crisálida e a clareira
Lera poemas escutara canções apaixonou-se verdadeiramente totalmente integralmente por outro além de si daí todos os poemas todas as canções eram outras.
Foi preciso ouvir tudo de novo. Uma trabalheira.
Foi preciso ouvir tudo de novo. Uma trabalheira.
Perplexa
Como se o que houver puder ser dito
preciso disso
ir ali tomar um ácido
pra lá buscar
a palavra
que explica
Tive de ir
à rua perplexa
procurar a palavra
A noite fresca estala
algo inominável que trazia antigamentes
Caminhei devagar desvirando poças
ignorando sermões
Torcia pra nuvem sair e deixar brilhar
lua até aqui
Voltei com cigarros acessos
Mãos dadas à um fantasma
Colhi o poema
Salva, escrevi.
Se consegui dizer o que queria?
É preciso decifrar
O mistério é maior do que pode ser dito
e todos os poetas já disseram isto.
preciso disso
ir ali tomar um ácido
pra lá buscar
a palavra
que explica
Tive de ir
à rua perplexa
procurar a palavra
A noite fresca estala
algo inominável que trazia antigamentes
Caminhei devagar desvirando poças
ignorando sermões
Torcia pra nuvem sair e deixar brilhar
lua até aqui
Voltei com cigarros acessos
Mãos dadas à um fantasma
Colhi o poema
Salva, escrevi.
Se consegui dizer o que queria?
É preciso decifrar
O mistério é maior do que pode ser dito
e todos os poetas já disseram isto.
Pros que vêm
antónio ramos rosa
maiakovski guimarães
herberto helder allen ginsberg baudelaire
joão cabral mello neto eugenio andrade rubem
alves
murilo mendes
manoel de barros
virginia woolf carlos
drummond de andrade alejandra pizarnik hilda hilst
cecília meireles annas helenas
tão todos mortos por aí
ex, tão mortos, tudo aí
maiakovski guimarães
herberto helder allen ginsberg baudelaire
joão cabral mello neto eugenio andrade rubem
alves
murilo mendes
manoel de barros
virginia woolf carlos
drummond de andrade alejandra pizarnik hilda hilst
cecília meireles annas helenas
tão todos mortos por aí
ex, tão mortos, tudo aí
Se viesses verias quê cheiro têm ambas mãos minhas
se viesses verias
quê cheiro têm
ambas mãos minhas
agora mesmo
são
aroma de
sangue verde
dos ramos
dos girassóis
que extirpei
pois teimavam ocupar teu lugar à cama
quê cheiro têm
ambas mãos minhas
agora mesmo
são
aroma de
sangue verde
dos ramos
dos girassóis
que extirpei
pois teimavam ocupar teu lugar à cama
domingo, 20 de dezembro de 2015
Milhões de crianças em mil mundos
o pensamento que emerge letra silaba palavra frase
sobre
a superfície branca ou pedra ou areia ou madeira
ou mármore
há de ser
límpido
caso haja emergido pós ruido de homem
que sobe
o altar granito da igreja
fala e se farta dos aplausos dos outros
que lhe fazem coro
há de se esperar passar o rancor maledicente
para o pensamento nascer vívido e só morra
se ouvido muito lá pela frente
por outro tipo, homem mais parecido a grilo
que substitui a palavra pelo sibilo rente
não há o que ser dito em tempo assim
cheio de nuvem defronte à tua testa
enrugada
cheio de cheias
e teias ignoradas
nem há o que rogar ante os equívocos
uníssonos desses passos tantos pr´onde?
há crianças que brincam e isto há de salvar o mundo imundo
limpidar valas tem umas que pulam no charco e isto há de ressuscitar rios
outras cujos risos abrem janelas encerradas
devemos deixar fantasmas felizes
e quebrar tijolo por tijolo o tempo
quedar o templo que nos inibe ser quem somos
rasgar
o pano que impele asfixia aos poros
lamber os pomos da natureza com pudor
limpar os acordes das notas estúpidas
beijar a boca de nosso senhor jesus
com amor
ou isso ou fico surdo ou mudo
morrer não posso
sobre
a superfície branca ou pedra ou areia ou madeira
ou mármore
há de ser
límpido
caso haja emergido pós ruido de homem
que sobe
o altar granito da igreja
fala e se farta dos aplausos dos outros
que lhe fazem coro
há de se esperar passar o rancor maledicente
para o pensamento nascer vívido e só morra
se ouvido muito lá pela frente
por outro tipo, homem mais parecido a grilo
que substitui a palavra pelo sibilo rente
não há o que ser dito em tempo assim
cheio de nuvem defronte à tua testa
enrugada
cheio de cheias
e teias ignoradas
nem há o que rogar ante os equívocos
uníssonos desses passos tantos pr´onde?
há crianças que brincam e isto há de salvar o mundo imundo
limpidar valas tem umas que pulam no charco e isto há de ressuscitar rios
outras cujos risos abrem janelas encerradas
devemos deixar fantasmas felizes
e quebrar tijolo por tijolo o tempo
quedar o templo que nos inibe ser quem somos
rasgar
o pano que impele asfixia aos poros
lamber os pomos da natureza com pudor
limpar os acordes das notas estúpidas
beijar a boca de nosso senhor jesus
com amor
ou isso ou fico surdo ou mudo
morrer não posso
domingo, 6 de dezembro de 2015
Os ornitólogos
![]() |
moondog |
sonham que
pássaros engaiolados
sonham que
voam
e cada sonho desse
assim sonhado
assim sonhado
é um poema farto que cai
enfarto
sem ser escrito
enfarto
sem ser escrito
a cada voo desse alçado
será o poema perdido
que portanto não poderá
ser lido ou escrito
por homem algum que
que portanto não poderá
ser lido ou escrito
por homem algum que
engaiola o
pássaro
ou o
ornitorrinco.
ou o
ornitorrinco.
Floresta
sabes pr´onde
vais
podemos contar?
sibila!
a floresta é o recinto onde são guardados os segredos.
inquiri!
sofre vertigem o passarinho neste ninho que balança tanto?
ah mar!
exclama o ser
insigne ermo da floresta
(o famoso ser só)
que do rio lustral colhe a palavra dulcífluo que vai docemente
ave fly
no antro há o inominável cheiro putrefato
da palavra pútrida
úmida!
vimos homem fétido lúgubre funesto fim
homília!
queremos que as flores não sejam colhidas
queremos a magia da luz das seis
e depois ver o verde
lume na bunda pirilampa
mais
queremos que o sol volte
amanhã de manhã
e fure os vãos dentre as folhas
que mil raios partam o espaço
e toquem a formiga
despontando
do cimo do
formigueiro
Treino para a poesia menos pura
rechonchudas, gordas, rubis, azedas
mas
o cheiro putrefato vem por vento
diante do que
tece-se
um manto de morte
putrefato
nutriente
não há poema que aguente putrefação
quinta-feira, 19 de novembro de 2015
Ah mar
por palavras peço
à terra onde respiro
perdão
por sonhar de corpo astral
que colhia brutas pedras
brilhantes
cor de
rosas transparentes
do seio mãe
das areias
da praia da terra
as guardei em sacolas
carreguei seus pesos
para o eu para os meus
as
tirei de seu
habitat
de brilhar ao sol
para as assombrar
fundo em bolsas
rogo
rezo
rodo
volver ao sonho
ir devolvê-las
uma a uma à urna livre
às suas reverberâncias
às suas casas de areias
deitá-las
deixá-las
assim tornam-se-ão mulheres melhores
sábado, 14 de novembro de 2015
Ciranda para o limiar
dali dava pra ver o tesserato não vi devo ter flanado errado pela aresta equívoca volvi ao estudos aspirei profundo respirei altíssima esperança flui lá ao vértice da terceira mas não vi a quarta mas sei que tem sei que existe há devo ter entrado pelo fundo errado volvi ao livro sentei entrei respirei fundo o erro profundo encheu me da esperança volvi e flui por cimo da terceira mas não vi flanei de volta pelo fio certo volvi respirei errei te disse não vi mas há não dá pra desenhar mas tem a quarta acreditar acreditar há flui ao cume do terceiro e do cimo de lá olhei pr´onde não é cima ou baixo ou pr´este ou pra quele lado e tinha mesmo um tesserato mas isto não quer dizer nada aqui
segunda-feira, 9 de novembro de 2015
Nascimentos
não há como findar
poalhas que adejam
cápsulas de sementes
futuras infrutescências
mil plantas cistáceas
miríades coisas
todos os instantes
anjos terríveis
domingo, 8 de novembro de 2015
Exortação maviosa
acostumados a estar mos
vi vo s
que esquecemos que
(morremos
de
corpos)
qual quer dia
seremos poalhas a adejar
(impalpáveis)
outros se servirão de nós para respiro
eu digo
que sou motivo
do que vai
... adiante
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Alta lembrança alada
Tive
Memória extinta de volver à deus
Não sei mais como vim ter aqui
- mistério profundo isso
Sei por ciência que colhi material de semente dúctil
Cresci e num dia nasci
(Morrer e nascer
- o que mais há nesse mundo)
Antes, entre e depois
- o mistério profundo
queira ou não queira
ninguém sabe por quê
O moço contou-me
já não posso explicar-te e
se pudesse dizer não dizia
- o mundo anda imbecil
Melhor morrer tudo junto primeiro
Nascer tudo junto, outro, depois
aí
recém nasci e não havia mais nenhum velho
pra contar a história toda
todo livro era novo campo branco de ideias vasto
- tinha vezes verde de tantas plantas
possibilidades visivelmente reais ideais os materiais
sem ais
sem mais
vou volver-me
adeus
vou-me eu alto ao Poeta,
devolvido
(Posfácio por Sophia de Mello Breyner Andresen, postado por Arsênio Meira Júnior)
Memória extinta de volver à deus
Não sei mais como vim ter aqui
- mistério profundo isso
Sei por ciência que colhi material de semente dúctil
Cresci e num dia nasci
(Morrer e nascer
- o que mais há nesse mundo)
Antes, entre e depois
- o mistério profundo
queira ou não queira
ninguém sabe por quê
O moço contou-me
já não posso explicar-te e
se pudesse dizer não dizia
- o mundo anda imbecil
Melhor morrer tudo junto primeiro
Nascer tudo junto, outro, depois
aí
recém nasci e não havia mais nenhum velho
pra contar a história toda
todo livro era novo campo branco de ideias vasto
- tinha vezes verde de tantas plantas
possibilidades visivelmente reais ideais os materiais
sem ais
sem mais
vou volver-me
adeus
vou-me eu alto ao Poeta,
devolvido
(Posfácio por Sophia de Mello Breyner Andresen, postado por Arsênio Meira Júnior)
"Aqui nesta praia onde não há nenhum vestígio de impureza, aqui onde há somente ondas tombando ininterruptamente, puro espaço e lúcida unidade, aqui o tempo apaixonadamente encontra a própria liberdade."
imgs.: Alberto Casiraghy
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Sophia de Mello Breyner Andresen
Alba cheia com verbetes florais
Lá além, ali, aqui, aquém, algures,
alguém
afundado na fundação do ego pleno de problemas e outros medos
passava sem ser
ver vastas e várias
arestas
e mais
algumas
pétalas,
rosáceas, filetes,
anteras, corolas, cálices,
invólucros, folíolos, prúmulas e primeiras flores
ainda dobradas in semente antes da próxima primavera.
Hasteava problemas alheio às
nervuras centrais, laterais, ramos,
limbos, pecíolos.
Volvido em fadas, se ver
caules, cotiledônios, prevides aos frutos, heliantos,
filiformes, anastomoses, ranúnculos,
cornaduras, trevos.
Emaranhou-se revolvo em teias,
pisou vasos tubulares vegetais
nem viu aranhas
ninguém nenhures nem um plátano.
No bolso pílulas para complicações neurais.
Sabia íntimo ser viajor mas seria em próxima vida sem dúvida
- era seu desiderato profundo.
Escrevi assim para você que queria ser
andarilho
não entender nada e
sobretudo amar.
(ainda estou escrevendo. este é um poema difícil, precisa ser estudado e está incompleto)
"Não querendo mais uma obra para trabalhar, precisava de uma para me divertir. Decidi fazer a Flora petrinsularis e descrever todas as plantas da ilha sem omitir uma só, com detalhes suficientes para me ocupar pelo resto de meus dias. Dizem que um alemão escreveu um livro sobre a casca de um limão; eu teria escrito um sobre cada gramínea dos campos, sobre as pedras; enfim, não queria deixar um fio de grama, um átomo vegetal sem descrição." Jean-Jacques Rousseau
alguém
afundado na fundação do ego pleno de problemas e outros medos
passava sem ser
ver vastas e várias
arestas
e mais
algumas
pétalas,
rosáceas, filetes,
anteras, corolas, cálices,
invólucros, folíolos, prúmulas e primeiras flores
ainda dobradas in semente antes da próxima primavera.
Hasteava problemas alheio às
nervuras centrais, laterais, ramos,
limbos, pecíolos.
Volvido em fadas, se ver
caules, cotiledônios, prevides aos frutos, heliantos,
filiformes, anastomoses, ranúnculos,
cornaduras, trevos.
Emaranhou-se revolvo em teias,
pisou vasos tubulares vegetais
nem viu aranhas
ninguém nenhures nem um plátano.
No bolso pílulas para complicações neurais.
Sabia íntimo ser viajor mas seria em próxima vida sem dúvida
- era seu desiderato profundo.
Escrevi assim para você que queria ser
andarilho
não entender nada e
sobretudo amar.
(ainda estou escrevendo. este é um poema difícil, precisa ser estudado e está incompleto)
"Não querendo mais uma obra para trabalhar, precisava de uma para me divertir. Decidi fazer a Flora petrinsularis e descrever todas as plantas da ilha sem omitir uma só, com detalhes suficientes para me ocupar pelo resto de meus dias. Dizem que um alemão escreveu um livro sobre a casca de um limão; eu teria escrito um sobre cada gramínea dos campos, sobre as pedras; enfim, não queria deixar um fio de grama, um átomo vegetal sem descrição." Jean-Jacques Rousseau
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
Para você incompreender
Vênia! Venho falar:
Mesmo que finde a estrada não acaba
Mesmo que aos pés não aja chão - anda
Solte a flanar teu corpo sútil de matéria estúpida
Ouve:
- um caracol - material de poema - sonha ter medula e
acorda molusco
- outra medusa nasceu de uma ideia acesa e ergueu-se em osso
e coluna feita de algumas vértebras
(achei um osso de sobra em mim)
Tinha a alma dada à tua e podia desabar deste sustentáculo, sem dó.
Este nó, quem nos deu?
Isto você não sabe - rá!
Nem eu.
Mesmo que finde a estrada não acaba
Mesmo que aos pés não aja chão - anda
Solte a flanar teu corpo sútil de matéria estúpida
Ouve:
- um caracol - material de poema - sonha ter medula e
acorda molusco
- outra medusa nasceu de uma ideia acesa e ergueu-se em osso
e coluna feita de algumas vértebras
(achei um osso de sobra em mim)
Tinha a alma dada à tua e podia desabar deste sustentáculo, sem dó.
Este nó, quem nos deu?
Isto você não sabe - rá!
Nem eu.
terça-feira, 27 de outubro de 2015
Aos náufragos
Almafuerte
Perdoem-me a algaravia:
escrevo ao tempo em que
trepo a madressilva
que dá ao belvedere.
Olhe! Lá há uma púnica.
- frutos de ventre rosa -
Óh! Uma pira ali.
- fuego de alma fuerte -
ao redor donde homens
desfilam suas porfias,
fátuos & antigamentes.
Dera fossem pó ou poema e só dançassem.
escrevo ao tempo em que
trepo a madressilva
que dá ao belvedere.
Olhe! Lá há uma púnica.
- frutos de ventre rosa -
Óh! Uma pira ali.
- fuego de alma fuerte -
ao redor donde homens
desfilam suas porfias,
fátuos & antigamentes.
Dera fossem pó ou poema e só dançassem.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
História
é o grito do meu ancestral mais antigo
na minha garganta
hoje
Pedro Rocha
na minha garganta
hoje
Pedro Rocha
sábado, 12 de setembro de 2015
O grande príncipe
Talvez te seja difícil receber o esposo de carne na tua casa, mas há presenças mais fortes.
Te hei-de visitar. Não tenho necessidade de me dar a conhecer, Sou laço do império e inventei-te uma oração. Sou fecho de abóboda de um certo gosto das coisas. E ligo-te.
Não quero que fiques deserta na tua perfeição. Farte-ei despertar para o fervor. Que dá e nunca retira nem reivindica propriedade ou presença.
O poema é belo por razões que não pertencem à lógica, já que se situa em outro andar.
Antoine de Saint-exupéry
segunda-feira, 7 de setembro de 2015
Laranjas
faça como eu não faço como ninguém
se quero acreditar em deus
faço suco das laranjas e tomo
se não existir deus, como existe a delícia?
se quero acreditar em deus
faço suco das laranjas e tomo
se não existir deus, como existe a delícia?
terça-feira, 1 de setembro de 2015
Vestido balança pedido
Vento que à tudo que à todos balança
Perpassa-nos com sua grande mão imensa
nas quais carrega o aroma do incenso e abraça e abrasa e enleva o liberto
e principalmente o andarilho que deambula.
Leve-nos leves para onde não neve e serve
Sopre-nos o ar manso, etéreo e firme, força com o qual balança as águas, move dunas e que vem e traz nuvens e maresia.
E vai. E volte.
A amenizar o calor, que o que presta nesse mundo é sombra de árvore
e abundante água fresca.
Preencha tudo e todos desse amor de que é feita a água fresca, você que visita as fontes e cascatas e as falésias e os interiores. E, pedindo demais
Levantai-nos leve
livres leves, alive, pro amor
agora mesmo, não é só supor
agora
carregue nosso esquecimento. Trouxe enovelada esta flor. Apraz te ouvir, vento. Nos aprontar e seguir. Despir pra sentir teu tento. Adentrai futuro amorosamente ansiado. O Sol, o velho sol de primavera vem vindo, ventando e rindo. Invenção de um deus que gosta de percorrer espaços e cria espaços de percorrer.
Deambulante? Dizem que ele tem um plano...
Perpassa-nos com sua grande mão imensa
nas quais carrega o aroma do incenso e abraça e abrasa e enleva o liberto
e principalmente o andarilho que deambula.
Leve-nos leves para onde não neve e serve
Sopre-nos o ar manso, etéreo e firme, força com o qual balança as águas, move dunas e que vem e traz nuvens e maresia.
E vai. E volte.
A amenizar o calor, que o que presta nesse mundo é sombra de árvore
e abundante água fresca.
Preencha tudo e todos desse amor de que é feita a água fresca, você que visita as fontes e cascatas e as falésias e os interiores. E, pedindo demais
Levantai-nos leve
livres leves, alive, pro amor
agora mesmo, não é só supor
agora
carregue nosso esquecimento. Trouxe enovelada esta flor. Apraz te ouvir, vento. Nos aprontar e seguir. Despir pra sentir teu tento. Adentrai futuro amorosamente ansiado. O Sol, o velho sol de primavera vem vindo, ventando e rindo. Invenção de um deus que gosta de percorrer espaços e cria espaços de percorrer.
Deambulante? Dizem que ele tem um plano...
terça-feira, 4 de agosto de 2015
Secreta
![]() |
Gisele Fagundes |
já não vem
ocorre uma mariposita vir me lamber o suor
antes a glândula secreta sal
(ela acha mel)
agora é noite, anotarei novos momentos
ainda não veio uma vaca me roçar
estaria feliz se viesse
também não estou triste
de manhã acho que olhei sargaços
um cachorro cismou comigo
o vento quis me arrancar cabelos
agora é quase tarde
há pouco ele voltou
15:33 o beija-flor esteve aqui
guarde este segredo
algo vai acontecer
sábado, 18 de julho de 2015
Fez-se do mar
sei de ti
uma
única
palavra - que não digo
sei de mim
um
calhamaço - não escrevo
nada valem - tão efêmero é ser
dois somos silêncios
um cardaço sine qua non
sem sumo, nem título
restos de terra e mar
sei do mundo a circunferência
que não vejo - desenho
(deus, não vejo! pudera?)
sei sobre tudo nada
então não conte
fiquemos quietos reinantes parados parentes inertes e somos mais
imenso
você título talvez
eu conteúdo
ninguém vai ler
contudo
acontecemos
e temos uma capa bonita
como a rosa - vermelha
como a rosa que ilustra a capa vermelha do livro do António Ramos Rosa
como as unhas vermelhas que pintei pra caso te ver, ou te ler, ou te escrever,
pra caso te ser,
não sei.
quinta-feira, 9 de julho de 2015
Não sei fazer arco íris
Não sei fazer arco íris e este momento me é engolido como a um espinho que fincasse agudo, demasiado fundo, na garganta. Nem desce, para que digira, nem cuspo como se faz se fosse um gosto ruim. Como fazer para que saia? Alimento ilusão de que se esvaia se venho tratar contigo disto.
Se sentes frio um casaco ou abraço dão alívio. Se tens fomes, comes e eis que estais bem. Nada tratará isto que sinto ao engolir a incapacidade. Penso que a surdez fosse bom e agradeço o tampão de cera. Sinto que morrer não soluciona e nascer deu tanto trabalho. Preferia um engasgo que ao soco nas costas resolvesse. Mas não, não.
Não sei que fazer com as mãos. Nem que mil crianças me dessem as suas e fizessem festa ao olhar, levantaria-o. Solo, terra, rocha são os que vejo. Nem que teus raios de sol, óh deus qualquer, num verve descessem para salvarem-me, não daria à ti um só mistério meu, já que não me deu a ternura de fazer arco íris.
O fato que me veste cinza, que me fez engolir é momentâneo e é deste traje que trato. Não me dispo para que me salve. Nem me visto pra que aplauda. Quero só ser pequena ao ponto do tamanho do grão cósmico. Caber exato em tua palma de mão. Se me apertas muito me abro. Queria ser ar, tão alto ar que nem servisse ao teu respiro. Vou querer volver à deus e deixar de ser eu, não deu. Só porque o céu tem esse azul assim bonito que me encorajo a escrever no ar daqui tais palavras. Não sei fazer arco-íris.
Se sentes frio um casaco ou abraço dão alívio. Se tens fomes, comes e eis que estais bem. Nada tratará isto que sinto ao engolir a incapacidade. Penso que a surdez fosse bom e agradeço o tampão de cera. Sinto que morrer não soluciona e nascer deu tanto trabalho. Preferia um engasgo que ao soco nas costas resolvesse. Mas não, não.
Não sei que fazer com as mãos. Nem que mil crianças me dessem as suas e fizessem festa ao olhar, levantaria-o. Solo, terra, rocha são os que vejo. Nem que teus raios de sol, óh deus qualquer, num verve descessem para salvarem-me, não daria à ti um só mistério meu, já que não me deu a ternura de fazer arco íris.
O fato que me veste cinza, que me fez engolir é momentâneo e é deste traje que trato. Não me dispo para que me salve. Nem me visto pra que aplauda. Quero só ser pequena ao ponto do tamanho do grão cósmico. Caber exato em tua palma de mão. Se me apertas muito me abro. Queria ser ar, tão alto ar que nem servisse ao teu respiro. Vou querer volver à deus e deixar de ser eu, não deu. Só porque o céu tem esse azul assim bonito que me encorajo a escrever no ar daqui tais palavras. Não sei fazer arco-íris.
sexta-feira, 29 de maio de 2015
e sei que piso um astro
![]() |
Luis Ricardo Falero |
porque a terra é única e ninguém a engana
áspera e dura suave e sempre nova
por ela levanto este archote de resina ou de sal em chamas
porque nela renasço como tudo renasce e sou uma árvore
com o pulso de argila
ou uma onda vibrante do seu peito profundo
o clamor monótono de suas entranhas vermelhas
...
eu sou o homem renascido que vê a rosa viva do mundo
e sei que piso um astro e estou no círculo da metamorfose ardente
tudo é possível porque sou o fogo amante
...
ela é um barco ou animal de terra e sangue
é o músculo do mar em pleno estio
é o desejo do oásis o oásis do desejo
...
o seu andar de adolescente marinha desenha sobre a areia o voo de um pássaro
António Ramos Rosa
terça-feira, 19 de maio de 2015
Choque, ruína e síncope.
Por favor não editem meus livros.
Não os quero corrigidos.
Não os quero prensados,
costurados, constrangidos, grampeados.
No fundo nem os quero comprados
- mas te faço e envio um a 14 reais.
Não os quero presos nas prateleiras ou encalhados no fundo das caixas que fedem papelão. Não os quero presos nas fendas do orgulho ou da breve situação.
Não quero que a vizinha me veja na televisão, nunca, não.
Deixa-me ser esta incógnita que leva os filhos à praça à lamberem sorvetes de frutas quando é verão e que no fim do mês tem de ir ao supermercado.
Por favor sr. editor esqueça hoje mesmo o email que mandei ontem. Apertei "enviar" mas era gatilho. Não poderei dizer de mim que sou bonita ou eu mesma ou que fui esperta e sorrir sem ser a vez. Não sei reagir à elogios e à qualquer tipo de crítica inundar-me-ão mil lágrimas e o colapso. Ou síncope, é certo.
Não quero autografar montanhas de pilhas de livros rigorosamente iguais para uma fila dos que possam estar apenas atrás de algo expresso. Dói-me o pulso pensar as assinaturas corridas e é certo que me servirão água engarrafada plasticamente. Tudo meu precisa de ar tipo atmosférico. O que sai de mim é natural: estou à beira da cachoeira escambando livros por pedras solares ou peixes frescos.
Não os quero corrigidos.
![]() |
img.: Victor Pacini |
costurados, constrangidos, grampeados.
No fundo nem os quero comprados
- mas te faço e envio um a 14 reais.
Não os quero presos nas prateleiras ou encalhados no fundo das caixas que fedem papelão. Não os quero presos nas fendas do orgulho ou da breve situação.
Não quero que a vizinha me veja na televisão, nunca, não.
Deixa-me ser esta incógnita que leva os filhos à praça à lamberem sorvetes de frutas quando é verão e que no fim do mês tem de ir ao supermercado.
Por favor sr. editor esqueça hoje mesmo o email que mandei ontem. Apertei "enviar" mas era gatilho. Não poderei dizer de mim que sou bonita ou eu mesma ou que fui esperta e sorrir sem ser a vez. Não sei reagir à elogios e à qualquer tipo de crítica inundar-me-ão mil lágrimas e o colapso. Ou síncope, é certo.
Não quero autografar montanhas de pilhas de livros rigorosamente iguais para uma fila dos que possam estar apenas atrás de algo expresso. Dói-me o pulso pensar as assinaturas corridas e é certo que me servirão água engarrafada plasticamente. Tudo meu precisa de ar tipo atmosférico. O que sai de mim é natural: estou à beira da cachoeira escambando livros por pedras solares ou peixes frescos.
terça-feira, 12 de maio de 2015
sábado, 9 de maio de 2015
Inerme
Adjetivo
Que não tem armas ou meios de defesa.
Botânica
Que não tem acúleos ou espinhos.
Zoologia
Diz-se do animal sem ferrão, bicos, pontas: tênia inerme.
Que não tem armas ou meios de defesa.
Botânica
Que não tem acúleos ou espinhos.
Zoologia
Diz-se do animal sem ferrão, bicos, pontas: tênia inerme.
Da arte de escrever do cume calmo
Escrevem através do conhecimento pessoal, e portanto empregam suas mentes concretas na tarefa de estabelecer este conhecimento em termos que revelarão a verdade àqueles que têm olhos para ver, e contudo ocultarão aquilo que for perigoso, do curiosos e do cego. Esta é uma tarefa difícil de cumprir, porque a mente concreta expressa o abstrato de maneira muito inadequada e, na tarefa de incorporar a verdade às palavras, muito do verdadeiro significado se perde.
Alice Bailey
Alice Bailey
Para dentro e para todos
tem uma parte - por dentro é azul
não é vista ou tocada nem sentida
mas é a que mais tem, existe e é.
pode ser telegrafada
- não por telégrafo!
para ir tem que rasgar o céu
ou cair.
não é vista ou tocada nem sentida
mas é a que mais tem, existe e é.
pode ser telegrafada
- não por telégrafo!
para ir tem que rasgar o céu
ou cair.
domingo, 3 de maio de 2015
quinta-feira, 30 de abril de 2015
sábado, 25 de abril de 2015
Essas coisas
![]() |
Parabenizara uma autora e nossa prosa caiu num dilema gramatical surreal.
Quis saber como editou, se esquivou. Ok. Resolveu, no seu ego de autor, aconselhar-me a não tratar minha obra por "livrinho" (tinha lhe falado que fizera um livrinho). Mas é um livrinho, pequenino, 33 páginas, magrinho, magrinho.
- Não, esta palavra não pega bem. Diminuiria o meu livro.
Sim, ora vejam! O livro diminuto é o livrinho.
Uma prosa que começa com admiração terminar nesta discussão cheia de amarras nomenclaturais. Ora.
- Ah vais ler Guimarães Rosa! - não disse eu.
Mas não deixou de dizer-me que tinha um livro a 20 reais, revisto & revisado, disponível ainda e que, que sorte, amanhã ia estar na praia fazendo umas leituras, e chamou à mim que nem moro ali e que levaria horas pra lá chegar. Que trabalhou aqui, que trabalhava lá... Ai, que inveja, só que não, fui sentindo. Eu, que nem editara ainda o meu livrinhozinho. Fiquei mudinha, miúda, pensando como chamar esta coisa de papel então que fiz. Pra terminar de forma amigável, dado até por ter descoberto que a dita era amiga de minha mãe, cedo.
- Que tal livreto?
terça-feira, 21 de abril de 2015
Terrear
Amanhã um bailarino vai deixar o palco.
Dará, extremamente concentrado, seu último giro que — não sabe — não se acaba ali:
seu êxtase seguirá girando até o infinito.
seu êxtase seguirá girando até o infinito.
Vai ser amanhã em um teatro do mundo.
Sérgio Bernardo
Sérgio Bernardo
sexta-feira, 17 de abril de 2015
Sobre isto de ler e não se estar aqui
![]() |
img.: Alain Laboile |
Aconteceu do poeta morrer mas deixar-me a ler livros e possibilidades intocadas
dessas inócuas:
- como a blusa deitada ao lado por me apertar os seios
- como o peso atirado ao alto ao ar
a metamorfosear-se.
ah! não pode ser minha a canção entoada à fora à toa à força - esta bobagem.
O poema sim devolve-me.
Melíflua. Sim, esta sou eu.
A toada entornada pelo poema escorre
melíflua. Simples por toda vida toca o cerne até dizer o que não dá
pra dizer.
Dizer não diz mas se dá a quem insistir entender.
Quando a superfluidade desvai, ali se voa. A eternidade do cimo dali - tão bom.
Acontece que o poema é meu e dele sou eu e agora é assim.
Minha casinha de gomos de palavras, com capas de roupas soltas, recheios de verbos de mel, lambidas de sol à tarde, orelhas postas de peixe à mesa e coisas demais que não dão pra ver. Vai saber...
Posso morar aí. Não estranhes de não me ver. Flano junto ao poeta amigo meu que já gosta de mim.
Temos um poema em comum, já disse. Ele que escreveu.
Não só pra mim. Pode ser seu. Vai querer? Eu só peguei pra mim - tão bom.
Flutuo já na claridade desta casa que ganhei pra flanar pelo poema.
É minha. Morei.
Tão bom.
sábado, 28 de março de 2015
A fleuma dos caracóis
(ainda vou escrever)
Eu escrevo à noite.
De dia tenho o hábito irritante de reler o que escrevi
para constatar que há coisas que não suportam sequer
o teste de uma volta do globo.
De dia tenho o hábito irritante de reler o que escrevi
para constatar que há coisas que não suportam sequer
o teste de uma volta do globo.
sexta-feira, 27 de março de 2015
Algumas proposições com pássaros
sexta-feira, 13 de março de 2015
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